DANIELA TÓFOLI
da Folha de S.Paulo
Quando a criança que sempre gostou de ir à escola começa a fazer birra e a inventar desculpas para faltar, pode ser manha, necessidade de descanso extra ou algum problema com os professores. Ou pode estar cansada de sofrer perseguições dos colegas, que vão desde a colocação de apelidos até o roubo de lanche na hora do recreio.Essa agressão moral, o bullying, praticada por crianças e jovens, já atinge 45% dos estudantes de ensino fundamental do país, seja como agressor, vítima ou em ambas as posições. Os dados são do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar, que acompanha pesquisas em ao menos oito cidades do país, como Maceió e Belo Horizonte.Em São José do Rio Preto (SP), o estudo já terminou e revelou que, dos 2.000 entrevistados, 49% estavam envolvidos com a prática --22% eram vítimas, 15% agressores, e 12%, vítimas agressoras.Os números batem com estatísticas internacionais e, pela primeira vez, traçam um perfil. Tímidas, com alguma característica física ou comportamental marcante (como obesidade ou baixa estatura), as vítimas têm, em média, 11 anos. São meninos e meninas com poucos amigos, que não reagem contra o que lhes desagrada.Já os agressores têm entre 13 e 14 anos e gostam de mostrar poder. Por isso, costumam ser líderes de seus colegas e, em muitos casos, foram mimados pelos pais. A maioria é formada por meninos (60%). "Mas as meninas são mais cruéis. Tramam fofocas e intrigas para excluir colegas", diz Cleo Fante, coordenadora do centro e organizadora do 1º Fórum Brasileiro sobre Bullying Escolar, realizado neste sábado, em Brasília.Diferenciar um apelido ou brincadeira que não passa de farra de criança de uma maldade característica de bullying é o desafio de pais e educadores. "Se uma criança ganha um apelido de que não gosta muito mas o encara sem traumas, não há porque se preocupar", diz o coordenador do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência, Aramis Lopes. "Mas se ela muda seu comportamento, reclama para ir à escola, se isola no recreio e deixa de ser convidada para atividades, é preciso intervir. Para começar, uma boa conversa."Numa época em que não se falava muito de bullying, há quatro anos, a advogada Clara (nome fictício) começou a notar mudanças em sua única filha, na época com 13 anos. De menina doce e estudiosa, Marina virou garota-problema. Não gostava da escola, se vestia de preto e tornou-se agressiva.Clara não entendia onde estava o problema nem imaginava que, no colégio, Marina sofria. Perseguida por uma menina, foi tachada de homossexual porque tinha cabelo curto.Sozinha, mergulhou na depressão. A mãe só descobriu a história quando a filha tentou se matar no colégio. "Eu soube porque, no dia seguinte, li uma carta no seu computador. Desesperada, corri para a escola e a tirei de lá." Já preocupada com a menina, Clara tinha por hábito mexer nas coisas da filha e ler as mensagens. "Os pais devem respeitar a privacidade dos filhos, mas, se desconfiarem de algo errado, precisam buscar pistas em qualquer lugar."A mudança de escola, porém, não livrou Marina dos problemas. Sua ex-turma começou a atacá-la pela internet. Vítima do bullying pela internet, voltou a ter paz quando seu pai foi até a antiga escola e ameaçou chamar a polícia. "O colégio não tinha tomado nenhuma atitude até então."Nem todos os colégios, no entanto, deixam o problema passar. Alguns debatem o assunto na hora da aula. Foi assim que a Escola da Vila, na zona oeste da capital, conseguiu mudar a vida de João, 10. Em 2005, conta o menino, ele ganhou um apelido tão constrangedor que nem consegue dizer qual era. Diz só que as formas mais "carinhosas" por que o chamavam eram "mariposa" ou "quatro-olhos".Ruivo e de óculos, foi isolado e ninguém mais o convidava nem para festas. "Tinha gente que me falava que estava convidando a classe toda menos eu. Saía da escola chorando."O colégio percebeu o problema e começou a falar sobre bullying com toda a turma. Em poucos meses, a mudança foi perceptível. "Hoje ninguém mais me dá apelidos estúpidos e tenho amigos. Todos perceberam como é ruim tirar sarro", diz. Francisco, 11, concorda. "Às vezes a gente dá um apelido e não percebe que machuca."